Cansei de eventos online!!!
Já parou para contabilizar quantas horas da sua vida você dedicou a webinários, lives, eventos e cursos online em 2020?
Se você chegou até aqui é porque já deve estar saturado ou entediado com a avalanche de eventos online que tomaram conta da internet neste ano. Como diz um amigo meu: “uma verdadeira overdose”.
Embora nem todos os eventos ofereçam certificados, eu adoraria saber quantas horas de cursos online foram oferecidas em média por pessoa durante a pandemia. Até agora eu contabilizei 151h e 30min. E você, já fez os cálculos? Deixe nos comentários o seu total de horas para termos uma estimativa.
Sou um entusiasta dos eventos online, por acreditar que essa é a melhor forma de difundir o conhecimento sem fronteiras geográficas, levando oportunidades para áreas isoladas, como o interior do Amazonas, por exemplo.
“Até agora eu contabilizei 151h e 30min.”
Antes da pandemia costumava encontrar forte resistência por parte de alguns organizadores para transmitir eventos ao vivo ou mesmo para disponibilizar as gravações. Alguns até realizados com recursos públicos, acabavam ficando restritos a poucos privilegiados com lugares marcados.
Nunca pensei que teria a oportunidade de ver a Campus Party, o maior evento de tecnologia do planeta, sendo transmitida online em plataforma aberta para uma multidão digital de mais 693mil campuser@s em mais de 30 países; e ainda de quebra ter a chance de apresentar uma palestra sobre dados abertos ao lado de lendas como Tim Berners-Lee (o criador da World Wide Web) e Edward Snowden (o hacker mais famoso da CIA). Me tornei speaker da Campus Party em plena pandemia!!!
Agora basta um template elegante do Canva e uma webcam na mão e pronto, você já tem um evento online. Isso é incrível!!! Custos reduzidos a praticamente zero, sem passagens, diárias, palco, datashow, videowall, som, iluminação, pastas, bloquinhos, canetas, crachás, coffeebreaks… Apenas o conteúdo pelo conteúdo, conhecimento aberto para todos sem sair de casa!
O que parecia ser uma utopia, pouco a pouco foi se tornando um pesadelo. Agora tenho a caixa de e-mail lotada de spams de eventos, dezenas de abas abertas e uma lista infinita de eventos online para assistir… Sem falar nos eventos que aparecem a todo segundo nos grupos de WhatsApp disputando a nossa atenção.
Como a capacidade de processamento do cérebro humano não permite ouvir mais de uma pessoa falando ao mesmo tempo (descobri isso em um simpósio online sobre inteligência artificial), o jeito é colocar os vídeos na velocidade máxima para assistir um evento de 3h na metade do tempo e tentar absorver o que der. A ansiedade causada pelo receio de estar perdendo algum evento, conhecida como FoMO (“Fear of Missing Out”), nunca foi tão alta.
Após consumirmos terabytes de palestras que antes não tínhamos acesso, o que ficou evidente é que uma grande parte delas nem teria valido tanto a pena pagar pelo ingresso. Por outro lado, inúmeras novas vozes tiveram a oportunidade de se apresentar pela primeira vez!
Além de participar de muitos eventos online, também colaborei com a organização de alguns como Pandemic Hackfest Saúde, o Govtech Connection e o Prefeitos do Futuro. Nos três tivemos uma ótima e qualificada audiência em se tratando de eventos online, chegando a atingir um alcance de mais de 53k pessoas no YouTube.
Nestes eventos, organizados com equipes super enxutas, pouquíssimo recurso financeiro e em curto espaço de tempo, seguimos uma receita simples: curadoria dos temas e palestrantes, facilidade de inscrição, uma identidade visual autentica e muita colaboração. A incerteza era total, afinal nunca tínhamos realizado um evento desse tipo durante uma pandemia antes e tínhamos poucas referências para nos inspirarmos.
“A incerteza era total, afinal nunca tínhamos realizado um evento desse tipo durante uma pandemia antes e tínhamos poucas referências para nos inspirarmos.”
A pandemia foi um grande laboratório em muitos sentidos, não apenas para a criação de vacinas, mas para tudo, até para os seres humanos, tudo estava sendo testado. A própria internet foi colocada em cheque se suportaria a quantidade de conexões simultâneas. Os eventos e palestrantes, como era de se esperar, não ficaram de fora.
O que me deixa frustrado de certa forma, é perceber que a experiência de eventos online evoluiu pouco para além de telas cheias de quadrados e tentativas de reproduzir eventos presenciais como se estivéssemos jogando “The Sims”, gamificando as limitações de eventos presenciais no mundo digital.
Se o mindset digital é justamente acabar com as fronteiras, porque recriarmos limites onde eles não precisam existir, como separar pessoas por salas virtuais, limitar a quantidade de inscritos ou restringir os canais de comunicação? Eu não tenho as respostas, estou buscando por elas e outras pessoas como Jess Sousa também, vale a pena conferir as dicas dele. Este é um grande desafio para designers e produtores de eventos!
Desde a Grécia Antiga, onde surgiu o termo palestra (do grego παλαίστρα), passando pelas conferências na idade média até os atuais webinars, pouca coisa se viu de novo em termos de formatos de evento além da evolução do quadro negro e do retroprojetor para slides com gifs.
Diante do inesperado e da janela de oportunidades que tivemos não consegui perceber nas experiências que tive nada que fosse realmente inovador e centrado no usuário. Usar machine-learning para criar fundos virtuais parece ter sido o melhor que conseguimos fazer (sic)…
Mesmo com hologramas, óculos de realidade virtual ou outros gadgets futuristas, eventos online nunca serão iguais aos presenciais, mas podem ser melhores. São paradigmas diferentes! No digital não existem filas de check-in, ao contrário são os eventos que fazem fila para serem assistidos. O digital não tem cheiro mas também não tem cadeiras ocupadas ao seu lado impedindo você de se levantar e ir ao banheiro no meio de uma palestra.
O que os “speakers” e “superstars” da inovação, que ganhavam fortunas com suas palestras, fizeram de realmente inovador em seus eventos online? Assisti-los na intimidade de suas casas como pessoas normais sem toda a atmosfera e o glamour dos eventos presenciais parece ter tirado um pouco a aura dos “showmans” e “showwomans”.
Eu sinceramente acho que exploramos muito pouco as possibilidades de inovação e UX em matéria de eventos online, a ponto de sentirmos saudade dos eventos presenciais. Digo isso não como uma crítica vazia para desmerecer o esforço de todos aqueles que se empenharam em buscar formas de realizar grandes eventos online, mas como uma autocrítica também! Só nos resta continuar tentando…
Assim como o “Cirque du Soleil” reimaginou a experiência circense, acredito que existam infinitas possibilidades para serem testadas nos eventos online. Precisamos ousar e explorar mais as fronteiras da criatividade humana em matéria de eventos, afinal eles tem o poder incrível de conectar milhares de pessoas.
Ver grandes empresas do ramo fazendo eventos gratuitos foi algo surpreendente e ao mesmo tempo frustrante, porque não tinha nada de extraordinário. Talvez estivessem só ampliando suas bases de dados pessoais para buscar novos clientes. Independentemente, espero que os eventos online continuem em 2021 e se tornem mais inovadores, mais colaborativos, mais abertos, mais interativos, mais criativos, mais dinâmicos, mais acessíveis e mais humanos!
Em uma pesquisa realizada pelo Google em maio no EUA, 79% do entrevistados disseram que as plataformas de streaming os deixam felizes e 58% relataram que estão usando vídeo digital para aprender novas habilidades. Esta é uma tendência e uma grande oportunidade!
“Embora a chegada chocante e a escala global do COVID-19 tenham apresentado desafios extraordinários. Como descobridores de tendências em vídeo, vimos uma uniformidade notável nos tipos de conteúdo que as pessoas procuram no YouTube, reforçando que, apesar de nossas muitas diferenças, todos compartilhamos as mesmas necessidades básicas. Sem dúvida, esta crise continuará a nos lembrar disso, à medida que continuamos a tentar dar sentido a isso.” — Gina Shalavi
A humanidade ainda levará muito tempo para consumir todo o bigdata de palestras produzido durante a pandemia e talvez esse seja um de seus maiores legados, compartilhado conhecimento numa escala viral. Certamente tem muita coisa boa para ser garimpada no ciberespaço e talvez até bons insights sobre o futuro dos eventos online!